quarta-feira, 11 de agosto de 2010

FORCADOS E TRADIÇÕES

Numa das minhas regulares viagens pelo mundo virtual da Tauromaquia, deparei-me com este excelente artigo. Dos melhores e mais esclarecedores que tenho lido. Decidi por isso, com a devida autorização do seu autor, partilhá-lo convosco, pois é enriquecedor e porque se não soubermos donde viemos, nunca saberemos quem somos.
"Alguns Reis da Península Ibérica tiveram acção decisiva no toureio que se pratica actualmente.
Carlos II de Espanha, último rei da Casa de Áustria, não teve filhos dos dois matrimónios, tendo legado a coroa de Espanha a Filipe de Anjou, seu sobrinho-neto.
Filipe de Anjou, neto de Luís XIV de França, ao pretender ser rei de Espanha, mergulhou o país numa guerra civil denominada “Guerra da Sucessão” em disputa com um outro pretendente, o arquiduque Carlos de Áustria, guerra que durou 13 anos.
Pela “Paz de Utreque”, Filipe de Anjou é reconhecido em 1714 como Filipe V de Espanha.
Este rei, de hábitos afrancesados e sem respeito pelas tradições espanholas, resolveu proibir os nobres de tourearem a cavalo.
Assim, o toureio a cavalo caiu quase no esquecimento em Espanha e em Portugal continuou a sua evolução.
Alguns reis em Portugal terão sido aficionados à Festa Brava, com destaque para João IV (1604-1656), Pedro II (1648-1706), João V (1689-1750) e Miguel I (1802-1866). Contudo, a mais antiga referência é do reinado de Duarte I, com corridas de toiros realizadas em Évora nos anos de 1431 e 1432.
Mas, em 1836, no reinado de Maria II, por decreto régio, passou a ser proibida a morte dos toiros na praça, que era praticada pelos cavaleiros utilizando os rojões. Assim, para remate da lide, os monteiros passaram a pegar os toiros.
Os monteiros ou alabardeiros, eram moços que tinham deixado as alabardas – para não ferirem o toiro – estas foram substituídas pelos forcados dos mosquetes e, assim defendiam na arena o acesso à escadaria real, sendo comandados por um cabo. Era, portanto, uma força militarizada.
Consta que em 1656 existiu um grupo constituído após uma selecção feita por alabardeiros da Guarda Real de Afonso VI. e que pegavam os toiros de caras e de cernelha.
Os monteiros e alabardeiros que pegavam toiros, passaram a ser chamados “moços de forcado” em 1837 terá sido a ano do aparecimento formal e regular dos grupos de forcados nas arenas portuguesas.
Foi no Ribatejo e no Alentejo que se constituíram os primeiros grupos de forcados, tendo ficado célebre o Grupo de Riachos que esteve presente nas inaugurações das praças de toiros de Évora e de Lisboa (Campo Pequeno).
No Alentejo existiram diversos grupos de forcados, sendo conhecido como dos mais antigos um de Évora, comandado por Paulo Barbas em 1914.
Também em 1915 foi fundado o Grupo de Forcados Amadores de Santarém, tendo por cabo António Gomes de Abreu. Grupo que ainda hoje existe e que teve sempre continuidade ao longos dos anos, sendo actualmente o mais antigo do país.
Anteriormente, nos finais do século XIX começo do século XX, existiu o excelente Grupo de Forcados Amadores do Real Club Tauromáquico, que teve no seu comando cabos de enorme valor, nomeadamente Eugénio Monteiro e Carlos d’Avelar Pereira.
Depois constituiu-se o Grupo de Forcados Amadores do Ribatejo, tendo por cabo Jayme Godinho, mas durou poucos anos, tendo dado origem ao Grupo de Forcados Amadores de Santarém.
Em Portugal, durante muito tempo, para muitos aficionados e cronistas taurinos mais interessados na corrida à espanhola, a pega era incomoda e a não considerar nas corridas, porque para esses, o forcado era um obstáculo à introdução do toiro de morte.
Mas a pega teve tamanha evolução nas praças de toiros portuguesas, que hoje já não é com a mesma obstinação que os aficionados da corrida à espanhola atacam a corrida à portuguesa, a “tourada” como esses a gostam de denominar.
Nos grupos de forcados não se perderam completamente algumas das características militarizadas dos anteriores monteiros ou alabardeiros. Assim, o chefe ou comandante do grupo continua a ter a denominação de “cabo”, ao traje continua a chamar-se “farda” e a “antiguidade” dos forcados continua a ser respeitada.
Nas cortesias os forcados dão a direita ao cabo, formam por antiguidade e o último elemento à esquerda é o forcado mais novo.
Se o cabo for colhido ou na impossibilidade de estar presente, toma a chefia do grupo o forcado mais velho. Não o forcado que tiver mais idade, mas o mais antigo no grupo.
O forcado mantém a antiguidade, mesmo que já tenha saído do grupo, essa antiguidade será respeitada caso volte a fardar-se nesse mesmo grupo.
Mesmo fora da praça, quando nos jantares ou outras reuniões do grupo, terão assento junto ao cabo os forcados mais antigos, mesmo que já retirados.
Contudo, a nomeação de novo cabo, não terá a ver com a antiguidade, mas com o reconhecimento do Grupo pelas qualidades de um dos elementos e aceite pela maioria.
O cabo deverá ser o garante dos valores do forcado amador e, dentro e fora da praça, o responsável por todas as atitudes e comportamento do seu Grupo. O cabo não deve faltar no Grupo, principalmente nos piores momentos. O cabo tem também a responsabilidade de preservar as tradições. A ele deverão ser imputadas todas as acções de ligação entre os actuais e antigos elementos do seu Grupo de forma que o historial seja uma referência no presente e para o futuro.
Em praça, e quando actua mais do que um Grupo, o mais antigo forma nas cortesias à direita e pega o primeiro toiro.
A antiguidade de um Grupo perde-se, desde que o Grupo não tenha actuações sequenciais ao longo dos anos.
Assim, não será legítimo um Grupo ser anunciado como mais antigo, quando esteve sem actuações por mais de uma época. Para ser considerada a antiguidade, ao Grupo não é suficiente usar o nome de um outro Grupo do passado, porque é necessário actuações sequenciais ao longo dos anos.
À jaqueta e ao barrete, o forcado tem uma estima especial. São peças da farda de valor e grande estimação.
A jaqueta representa o Grupo de que faz parte. A jaqueta deverá ser entregue ao cabo quando o forcado deixa de pegar.
O barrete é a peça de vestuário mais querida do forcado e é guardado como relíquia e passa para um filho ou neto quando um destes pegar toiros."
Manuel Peralta Godinho e Cunha

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